Relendo
Miguel Torga, recordo Sísifo, personagem da mitologia antiga que
desafiou a morte e os deuses, sendo por isso condenado a empurrar um enorme
pedregulho, com as suas mãos, até ao cume de uma montanha. A cada vez que
atingia o cume, a pedra rolava novamente até ao ponto de partida, tendo Sísifo
de executar a mesma tarefa durante toda a eternidade.
Ora, este Mito (repegado de forma interessantíssima por Camus
em O
Mito de Sísifo) conduz-nos precisamente à ideia do
"absurdo", à noção comezinha dos "esforços inúteis" da
monotonia que, tantas vezes, nos toca na pele e tentamos repudiar. Há esforços
e endereços inúteis, de facto, contudo já os latinos diziam: "Inutilia
truncat" (cortar as
coisas inúteis), acabar com as inutilidades. E quantas vezes temos o poder de
interromper este trabalho sisifiano, encarar outros caminhos e possibilidades,
criar e recriar aquilo que é rotineiro e absurdo, introduzindo a
novidade, a surpresa, a superação!?
Nem tudo é necessariamente sisifiano e sem esperança. O que
importa mesmo é "Recomeçar"
sempre, desbravar novos trilhos, empurrar a pedra para outros cumes.
As
paisagens que podemos contemplar de cumes diferentes esperam por nós e estão ao nosso alcance!
Sísifo
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Diário XIII
"Nas duas grandes horas da Vida — a nascer e a morrer — o homem bebe sozinho o seu cálice. No trajecto entre os dois pólos, acobardado pela maior consciência da espessura da bruma, arregimenta amigos e companheiros. Mas a sua unidade é ele. Mesmo que consiga ter à volta a maior multidão — vai só."
ResponderEliminarMiguel Torga (1937)